Do Seminário de Nossa Senhora da Boa Morte ao ICHS
Cláudia Chaves
Coord. LPH – ICHS
Professora do DEHIS - ICHS
Após a criação do ICHS, em 9 de novembro 1979, a partir da incorporação da Faculdade de Filosofia de Mariana, tornava-se imperativa uma ampla recuperação e restauração do antigo seminário para sua nova ocupação. O prédio foi cedido em regime de comodato pelo então bispo, D. Oscar de Oliveira, à UFOP, para receber os cursos de Letras e História em suas instalações. Pelo acordo, após a cessão, a universidade ficou encarregada dos projetos de restauro e de adaptação do prédio e, em 1983, iniciou os trabalhos de restauro. Até aquele momento, as atividades administrativas e pedagógicas se concentravam no prédio denominado como Bloco de Sala de Aulas.
A partir de uma Memória Descritiva realizada por uma comissão de técnicos da UFOP e da arquiteta Maria Carmem Perilo, do IEPHA, deu-se o início à proposta de ocupação. O documento informava que o critério de intervenção a ser utilizado seria de “restauração”, baseado nos princípios de funcionalidade e de valor histórico-arquitetônico. Através deles, optaram por manter os elementos já incorporados ao longo do tempo e que se comunicavam com a “linguagem de monumento” e por suprimir aqueles que não possuíam “representatividade” ou que desvalorizassem a “harmonia do conjunto”. Assim esperavam liberar espaços e adequar outros com a devida “leitura e interpretação do monumento” para um “novo uso compatível com o seu valor e importância”.
Havia uma grande preocupação em iniciar os trabalhos devido ao agravamento e precariedades das condições do prédio desativado em 1980 e pela necessidade de expansão do ICHS, “já funcionando precariamente no anexo”. Assim, 4.800 m2 de área construída poderiam ser utilizados e, assim, retomar “à própria vocação do prédio, desde 1750, ligado à área do ensino e da cultura em Minas Gerais”.
As obras iniciadas em 1983 e finalizadas, na sua primeira etapa, em 1984, incluíram 3.399 m2 com as seguintes divisões: Administração (diretoria, secretaria, chefias de departamentos e sala de reuniões) 268 m2; Aulas (salas, laboratórios de História e laboratório de línguas) 1.885 m2; Apoio didático (gabinetes de professores, de monitores, auditórios, biblioteca etc.) 1.042 m2; e, por fim, serviços gerais (cantina, instalações sanitárias, depósitos etc.) 204 m2. Segundo o projeto, a ideia era concentrar a maior parte das aulas no prédio anexo e liberar toda a atividade administrativa e de apoio pedagógico para o antigo seminário. Essa perspectiva estava respaldada pelos princípios de ocupação com preservação segundo “a natureza, intensidade de fluxo e relacionamento funcional das mesmas”.
Sobre as intervenções havia ficado explícito que os entornos e áreas livres ficariam mantidas, tais como jardins, circulação e áreas de lazer. O estacionamento se localizaria atrás do “prédio novo” também chamado de anexo ou, como é hoje referido, o bloco de salas de aulas. Atualmente, o antigo estacionamento se tornou o espaço que foi destinado ao prédio denominado “Reuni”.
Os caminhos de pedra na frente do Seminário seriam mantidos e outros seriam criados interligando o seminário ao “prédio novo”. Interessante notar que o projeto deixava margem para a marcação de outros possíveis caminhos que seriam definidos a posteriori pelos próprios usuários. Sobre a entrada de acesso de carros até o estacionamento se projetou a construção de um caminho de paralelepípedos que deveriam manter um recuo do prédio onde seria o auditório. Local onde havia sido dormitório do seminário. Sobre o jardim interno, o projeto previa a sua revitalização com a atenção para a manutenção das parreiras existentes, algo que, de fato, se manteve e hoje constitui um jardim de rara beleza, simplicidade e aconchego.
Havia a indicação da importância de se criarem jardins em todos os espaços de entorno e de comunicação dos prédios. Para além destes espaços, chamava-se a atenção para a vizinhança imediata ao Seminário para que ela fosse preservada e não se sentisse ameaçada com a nova ocupação. A obra de Lívia Romanelli D´Assunção para o SPHAN – Mariana 1980: o crescimento urbano visto a partir da área histórica – é citada no Memorial para ajudar a trazer sensibilidade e cuidados para as comunidades locais e vizinhas. Seriam recomendações para que os monumentos históricos não fossem concebidos como áreas isoladas: “deveria ser tentado o estabelecimento de área verde de proteção à sua volta, antes que a SPHAN fosse obrigada a aprovar falsos coloniais que sufocariam esses monumentos em áreas exíguas tirando o seu caráter original”. Tal defesa se insurgia também contra a proposta aprovada no Plano diretor de Ouro Preto e Mariana, em 1974, no qual se propunha um caminho periférico que cortaria a passagem entre o Seminário Menor da Boa Morte e o Palácio dos Bispos “que eliminaria totalmente a relação natural de espaço físico existente entre os dois monumentos”. Essa proposta, como sabemos, não vingou e a contiguidade entre os dois prédios se manteve, ainda que com a construção de um novo prédio anexo na década de 1990 – que hoje abriga a biblioteca e o prédio da Pós-Graduação.
Para facilitar as divisões e toda a referência dos novos espaços, o futuro ICHS passava ser dividido em blocos com denominações de letras. O desenho original do projeto encontra-se abaixo:
Pro meio desse croqui, podemos identificar todas as partes do Seminário e construções anexas. São denominações que vão da letra A à letra J. Vejamos a partir da parte frontal do Seminário:
- O Bloco A estava previsto para ser o auditório, sala de exposição, camarins, cabines de projeção, sanitários etc., com aproveitamento do piso térreo e o porão. Como se tratava de área muito deteriorada optou-se pelo tratamento externo para reconstituir as perdas causadas pelo tempo e manter a harmonia do conjunto nessa entrada lateral. Foi refeito todo o telhado e madeirame. Foram construídas vigas de sustentação para suportar as novas ocupações e pesos. Infelizmente todo o bloco A ainda não foi devidamente ocupado, persistindo, ainda hoje, o projeto de torná-lo um espaço cultural.
- O Bloco B, hoje ocupado pelo LCC, NTI e entrada lateral da Capela, foi planejado para se tornar a área de biblioteca com salas de leitura e manutenção da sala destinada à sacristia da capela. Ali as intervenções seriam menores por se encontrarem em melhores condições, exceto pela necessidade de se criar áreas de mezaninos e acessos de escada e circulação interna. Para isso foi necessário, também, vedar (entaipar) uma porta externa que se comunicava com o Bloco A. Ainda hoje é visível este acesso vedado, como é possível observar na Figura 6.
- O Bloco C, da capela, continuou sem grandes intervenções, com exceção da substituição de alguns ladrilhos, pinturas e alguns poucos ajustes. Houve a recomendação de uma proposta de restauro específica para a preservação dos forros e altares. É claro que, em todo o prédio, o telhado, forros, madeiras e assoalhos foram refeitos ou recuperados.
- O Bloco D, seguia a lógica do bloco anterior sem grandes alterações. Seria parte da sacristia e do hall de entrada, como ainda é hoje. A sacristia encontrava-se bastante deteriorada e foi, em grande parte, reconstruída.
- O Bloco E, totalmente destinado à administração e apoio pedagógico, como ainda é nos dias de hoje, fora destinado à diretoria, secretarias, recepção, sala de reuniões, sala de professores etc. O espaço foi bastante modificado internamente com supressão de paredes, criação de novas áreas de comunicação, incluindo o acesso interno ao porão. Muito desta área estava bastante deteriorada, como forros, telhado, assoalhos, esquadrias etc. Este bloco sofreu muitas alterações, sendo que algumas delas evocariam aspectos primitivos do Seminário.
- O Bloco F foi destinado às monitorias e algumas salas de aula. O primeiro pavimento (superior) seria totalmente ocupado pelo laboratório de Letras. Hoje esse bloco funciona como gabinetes de docentes do curso de História no pavimento superior e, no térreo, com secretarias, Cemar e laboratórios. Para esse espaço, foram indicadas algumas intervenções para subdivisão dos cômodos e recomposição de assoalhos, forros e esquadrias.
- O Bloco G se destinaria a gabinetes de professores, salas de estar, cantinas, sanitários. Hoje destaca-se neste espaço a sala G-20 que é o principal auditório do ICHS. As intervenções neste bloco foram muito semelhantes às do Bloco F.
- O Bloco H se destinava aos departamentos de História, Letras e Pedagogia com o porão e mezanino destinados ao laboratório de História. Essa ocupação não parece ter se efetivada, de fato. Ali funcionou durante um tempo o auditório principal e biblioteca. Atualmente, é ocupado por gabinetes de professores, arquivo geral e núcleos de pesquisa. As alterações foram semelhantes aos blocos anteriores com o acréscimo de escadas de acessos internos.
- Finalmente os blocos I e J foram destinados à eliminação por estarem muito comprometidos e por não representarem elementos originários e de valor arquitetônico. Foram pequenas construções anexas destinadas aos depósitos e/ou criação de animais. Ao que parece, após a ocupação, de fato, do Seminário, o “anexo novo” ou o atual Bloco de Sala de Aulas, passou a ser designado de Bloco I.
Abaixo, é possível visualizarmos a configuração atual dos espaços do ICHS de acordo com as novas distribuições e ocupações dos prédios, que compõem o conjunto arquitetônico do ICHS:
Desde 1984, quando a nova sede do ICHS foi oficialmente inaugurada e o espaço passou a ser definitivamente ocupado como o Instituto de Ciências Humanas e Sociais, o uso e ocupação do antigo Seminário da Boa Morte foi constantemente modificado. Também houve modificações em seu entorno com novas edificações. O processo foi lento e as adaptações ao projeto inicial foram necessárias à medida que seus usuários se adaptavam às realidades e necessidades dos novos tempos e ordenamentos dos espaços. Aliás, essas adaptações nunca deixam de ocorrer e representam a ideia do espaço vivido como ensina Armand Frémont. Prova disto é que hoje nos adaptamos à necessidade de total acessibilidade ao prédio com a implementação de elevadores e rampas nas edificações. O mais importante é que, ao longo dos quarenta anos de ocupação, sempre mantivemos preservadas as diversas camadas e histórias desse precioso edifício.
REFERÊNCIAS
Boletim SPHAN – 1983, ns. 22-27
FRÉMONT, Armand. A região, espaço vivido. Trad. António Gonçalves. Coimbra: Almedina, 1980.
MEMÓRIA DESCRITIVA sobre o Seminário de Nossa Senhora da Boa Morte, Anteprojeto – UFOP, 1983. Arquivo Geral do ICHS.
ROMANELLI, Lívia. Mariana 1980. O crescimento urbano visto a partir da preservação da área histórica. Relatório, de fevereiro de 1981. In: ACI/IPHAN/Seção Rio de Janeiro. Mariana. Inventário. Caixa: 191, Pasta: 02.