CRIAÇÃO E PERCURSO DO INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS DA UFOP
Leandro Silva de Paula
Amanda Casemiro de Freitas
Wagner Martins Oliveira
Na histórica cidade de Mariana, em meio a um cenário repleto de casarões, ladeiras e igrejas barrocas, que exalam memórias de todos os lugares, foi fundado, no ano de 1979, o Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). A história da criação do instituto se mescla com a da própria Universidade, uma vez que os cursos de Humanidades surgem com o propósito de ampliar os campos de conhecimento do ensino superior em Ouro Preto e promover tanto a cultura quanto o pensamento crítico na Região dos Inconfidentes.
A criação da Universidade Federal de Ouro Preto ocorreu durante o período da ditadura militar brasileira, após entrar em vigor a chamada Lei da Reforma Universitária, promulgada em 28 de setembro de 1968, que tinha como objetivo estabelecer normas para a organização e o funcionamento do ensino superior no país. Além de propor investimentos para modernização e expansão das universidades, a Lei n.º 5540/1968 incluía, no artigo nº 8, uma determinação para que estabelecimentos isolados de ensino fossem incorporados às universidades — ou, então, fossem agregados a outros que se encontravam em localidades próximas. É dentro deste contexto de insegurança e receio de que escolas superiores isoladas fossem extintas no Brasil ou então anexadas às universidades pertencentes a outras cidades, que se intensifica a pressão para a criação de uma universidade em Ouro Preto - MG. Dessa forma, inicialmente, a criação da UFOP, em 1969, alicerçou-se a partir da junção de duas instituições de ensino centenárias: a pioneira Escola de Farmácia de Ouro Preto, fundada em 1839, e a tradicional Escola de Minas, de 1876.
Além da junção da Escola de Farmácia e da Escola de Minas, havia o objetivo da criação de outras unidades de ensino — como o Instituto de Matemática, o Instituto de Física e Química, o Instituto de Ciências Geológicas, o Instituto de Ciências Biológicas, a Escola de Odontologia, Metalurgia, Bioquímica e o Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Mas, nos primeiros anos de funcionamento, apenas parte das iniciativas foi implantada. Os pilares de sustentação da instituição continuavam a ser as escolas centenárias que deram origem à sua criação.
Notável no processo de consolidação da UFOP foi a criação do Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS), em 1979. Alguns anos antes da criação do ICHS, o reitor da universidade de Ouro Preto, na época, Antônio Fagundes, reuniu-se com pessoas influentes da Igreja Católica, como o arcebispo de Mariana Dom Oscar de Oliveira e o cônego José Geraldo Vidigal de Carvalho, com o intuito de articular a expansão da UFOP para a cidade vizinha de Mariana - MG. A fundação do ICHS tornou-se possível quando uma extensão da Universidade Católica (Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Santa Maria/PUC), que funcionava no prédio do Colégio Providência, em Mariana, foi anexada à UFOP, com seus cursos de Letras, Estudos Sociais e Ciências federalizados. Durante os primeiros anos do ICHS, bases de funcionamento para os cursos de Letras e História foram estabelecidas — criando, assim, currículos acadêmicos e departamentos. Além disso, exemplares da biblioteca da antiga Fundação Marianense de Educação foram doados para a UFOP e vários professores da PUC incorporados ao instituto como docentes.
Nos primeiros anos de funcionamento, podemos evidenciar a forte ligação entre o Instituto de Ciências Humanas e Sociais e o Arcebispado de Mariana, destacando o papel crucial de Dom Oscar de Oliveira na criação do ICHS. A relação também se torna visível pelos acordos feitos nos primórdios da fundação — o prédio do antigo Seminário da Nossa Senhora da Boa Morte (Seminário Menor) foi cedido na época em regime de comodato para a criação do ICHS. Em substituição, ficaria sob responsabilidade da UFOP o dever de restaurar o edifício; ademais, a Igreja realizou doação de um terreno anexo ao referido prédio para a União. Ou seja, o Arcebispado de Mariana ofereceu suporte material e organizacional significativo durante este prelúdio. Além disso, destaca-se o fato de o primeiro diretor do ICHS ser um membro da Igreja. José Geraldo Vidigal de Carvalho assumiu a direção do Instituto, inicialmente, por indicação (1979-1985), e, posteriormente, foi eleito pela comunidade universitária, em 1985, quando ocorreu a primeira eleição para a direção.
O início da década de 1980 também marcou a realização dos primeiros concursos públicos e a posse de docentes de diferentes regiões do país, criando uma pluralidade de sujeitos com formações acadêmicas de excelência nos corredores do Instituto. Novas ideias, novos sujeitos e distintos projetos passaram a compartilhar espaço dentro do Instituto de Ciências Humanas e Sociais de Mariana.
As décadas seguintes também impactaram o ICHS de forma positiva. A gestão de Solange Ribeiro de Oliveira (1989-1993), primeira mulher a assumir a direção do Instituto, implantou o primeiro curso de especialização. Os diretores seguintes, Luiz Tyller Pirolla (1993-1995) e Heliana Maria Brina Brandão (1995-1997), acompanharam a trajetória de criação do curso de Direito em Mariana — e sua consequente transferência para Ouro Preto. O movimento, que se iniciou em 1993, surgiu através de uma consulta de interesses e necessidades da população marianense. A premissa era de que o novo curso poderia oferecer assistência jurídica gratuita, além da formação de um corpo técnico jurídico para lidar com as questões relativas à mineração na região. Em 31 de maio do mesmo ano, um convênio foi assinado entre a UFOP e a prefeitura de Mariana.
O curso noturno de Ciências Jurídicas tinha o ICHS como seu lugar de funcionamento original, mas acabou realocado para o prédio do antigo Colégio Padre Avellar, devido ao receio, na época, de que a instalação do Direito atrapalhasse o funcionamento dos cursos de Letras e História, que já estavam estabelecidos no local. Uma Assembleia Geral, datada de 20 dezembro de 1994, autorizou sua permanência temporária no Instituto de Ciências Humanas e Sociais, até julho do ano seguinte. O fim do prazo levou o curso para um prédio anexo à delegacia de Mariana e um novo aditivo do convênio foi assinado entre a prefeitura de Mariana e a UFOP. Em 26 de maio de 1997, o curso de Direito foi desvinculado do ICHS de forma definitiva e passou a ser associado à Reitoria. As novas condições permitiram que fosse transferido para Ouro Preto, inicialmente abrigado na Escola de Minas e, posteriormente, no campus Morro do Cruzeiro.
A década de 1990 trouxe outros processos de expansão educacional para o ICHS. A gestão de José Benedito Donadon Leal, que tomou posse em 1997, trouxe uma tentativa de implantação do primeiro curso de pós-graduação stricto sensu — o mestrado em Letras com foco em Literatura Comparada, que, posteriormente, se tornaria interdisciplinar ao considerar aspectos como a história da literatura e a história social da linguagem. O curso contava em seu quadro docente tanto com professores da área de Letras quanto de História e chegou até mesmo a ter uma revista acadêmica. No entanto, no ano de 2000, foi extinto e seus alunos se viram obrigados a concluír suas formações na UFMG.
A virada do milênio acabou marcada por questões contratuais e desacordos que diziam respeito às edificações do instituto. A gestão do diretor Luiz Carlos Villalta (2000-2002) se inicia após a renúncia do professor José Benedito Donadon Leal e sua vice-diretora, a professora Hebe Maria Rôlla Santos. Em 2003, a Arquidiocese acionou a justiça para reaver os prédios cedidos em comodato para a Universidade. As negociações protelaram-se durante as gestões seguintes. Inicia-se um período de incerteza quanto à permanência dos cursos de Letras e História nas edificações do antigo Seminário da Nossa senhora da Boa Morte. Mas também, foi um momento marcado por grandes trabalhos de preservação e cuidado com o prédio do ICHS. Entre 2002-2010 o instituto estava sob a direção do professor Ivan Antônio de Almeida, quando foram iniciadas intensas obras de recuperação dos prédios e o início de expansão da pós-graduação.
A expansão educacional que teve início na década de 1990 continuou durante os anos seguintes. Em 2007, foi criado o Mestrado em História e uma especialização lato sensu em Teoria e Métodos de Pesquisa em Educação. No ano seguinte, a UFOP aderiu ao REUNI (Programa de Apoio a Planos de Restauração e Expansão das Universidades Federais), uma das ações que faziam parte do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) do Governo Federal. Foi dentro desse contexto, que aconteceu a criação do curso de Pedagogia, além do início dos trabalhos da construção de um novo prédio de salas de aula. As gestões posteriores também seriam marcadas pela criação de novos cursos de pós-graduação. Durante a gestão de William Augusto Menezes (2010-2014), o Mestrado em Letras foi criado (2010), e, no ano seguinte, teve início o Mestrado em Educação. Em 2013, foi a vez do Doutorado em História e, em 2019, do Doutorado em Educação.
Mas os impasses com a Arquidiocese de Mariana continuaram na década de 2010. Em 2015, com o ganho de causa dado pela justiça à circunscrição eclesiástica, houve uma solicitação de devolução dos prédios históricos, inviabilizando, dessa forma, a continuação das atividades acadêmicas e da permanência da universidade no espaço. Movimentos de mobilização foram organizados durante a gestão da diretora Margareth Diniz (2014-2018). Não só foi solicitado o apoio da reitoria da UFOP, mas também da população e de órgãos públicos da cidade de Mariana. A comunidade acadêmica também recorreu aos comerciantes, donos de imobiliárias e prestadores de serviço da cidade, além da própria Arquidiocese. Um acordo judicial foi firmado na gestão do diretor Luciano Campos da Silva (2018-2022). A permanência do instituto acabou condicionada ao pagamento de aluguel relativo a uma das edificações, com o comodato do prédio histórico passando a vencer apenas em 2033.
Ao longo dos últimos anos, em contextos adversos para a educação pública do país, o ICHS enfrentou cortes orçamentários e ataques às universidades. A pandemia de COVID-19 obrigou uma reinvenção, dando ao Instituto um papel fundamental nas discussões sobre as atividades administrativas e pedagógicas da Universidade. E o pós-pandemia trouxe uma série de novos desafios — como a evasão estudantil e as dificuldades de permanência, além de questões de saúde mental e a necessidade de ações de integração, adversidades que vêm sendo enfrentadas pelo atual diretor, Mateus Henrique de Faria Pereira, e pela sua vice-diretora, Ada Magaly Matias Brasileiro. Ainda assim, importantes conquistas foram alcançadas, reforçando o papel essencial do ICHS na formação técnica, científica e humana daqueles que integram a UFOP.
É possível afirmar, portanto, que o Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) tornou-se um pilar indispensável de sustentação dentro da Universidade Federal de Ouro Preto. Sua contribuição não se limita apenas ao patrimônio educacional, entrelaçando-se igualmente com questões sociais e culturais da cidade de Mariana. Não apenas foram superados inúmeros desafios — como questões políticas e disputas jurídicas que fomentaram uma necessidade constante de adaptação e reinvenção —, como também foram permitidos a expansão e o desenvolvimento acadêmico não só da comunidade universitária, mas da Região. A formação de profissionais críticos e capacitados, desde 1979, reafirma a relevância do ICHS não só para a UFOP, mas também para a sociedade brasileira.
REFERÊNCIAS:
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